Aguinsky em ação: esculturas pesam de 30 quilos a 4 toneladas Foto: Paulo Aguinsky/Divulgação |
Lorenço Oliveira
CAPÃO DA CANOA – Paulo Aguinsky é um escultor calejado.
Mas não no sentido literal da palavra, com mãos gastas de tanto esculpir. Aos
72 anos, Aguinsky é do tipo que coleciona prêmios na Europa, como as Medalhas
de Ouro, Prata e Bronze no Salão dos Artistas Franceses, Medalha da Cidade de
Paris e o Prêmio Taylor de Escultura. Também representou o Brasil em diversas
exposições em vários países do mundo. Nascido em São Borja, é médico cirurgião,
o que ele acredita ter lhe ajudado com a precisão e a habilidade no manuseio
com instrumentos. Sua mais nova exposição, “Nexo da Forma: no Universo da Pedra”,
com 23 obras feitas em granito, basalto e mármore, vai de hoje a 28 de
fevereiro, na loja Redemac Zona Nova, em Capão da Canoa. Confira abaixo a
entrevista concedida nesta sexta-feira (9) pela manhã.
Jornal Momento – Como foi que começou o seu interesse pela
escultura?
Paulo Aguinsky – Eu faço
esculturas desde os 15 anos de idade. E eu me interessei acidentalmente. Com a
argila eu comecei a ver que era maleável, e aí passei a fazer esculturas.
Acidental. Não foi nada induzido ou algo escolar. Foi circunstancial.
JM –
Há uma história de que seus pais tinham casa aqui na praia e você começou
brincando na areia...
PA – Esse é link que existe com
Capão da Canoa não é acidental. Antes de fazer esculturas com argila eu fazia
com areia na beira da praia. Eu vinha veranear todos os anos. No início, nem
existia a Zona Nova [bairro], naquele tempo ela era um deserto. Meus pais
tinham um apartamento no centro. Depois, tivemos um das primeiras casas que
surgiram na Zona Nova. E eu vinha muito pescar por aqui, já que era mais
afastado do centro. E eu costuma ir para a beira da praia fazer esculturas. Era
uma recreação. Acho que aí seja o momento mais antigo que eu tenha em relação a
arte de esculpir.
JM –
Você disse em outras entrevistas que a sua formação médica lhe ajudou na
precisão e na habilidade. De que outras formas a medicina interferiu ou
influenciou no seu trabalho?
PA – Medicina não tem nada a ver
com arte. Uma coisa é essencialmente técnica e tu segue linhas rígidas. Tu não
pode inventar nada na barriga de um paciente. Então tem aquele limite, que a
medicina é conhecimento científico e habilidade de tu saber usar esse
conhecimento. E se tu é cirurgião, você tem habilidade física de atuar naquilo
ali. Tanto você pode usar na escultura como na cirurgia. Uma na realidade ajuda
a outra. Se eu não estou operando eu estou esculpindo. Eu estou desenvolvendo a
minha capacidade manual, usar as mãos para uma ação. Mas o que a medicina foi
realmente muito importante é no apoio técnico da sistemática de como eu fui
capaz de aprender a usar os meus instrumentos para a escultura. Um escultor não
ortodoxo como eu, ele pega um material usa aqui, experimenta outro. Eu não. Eu
preparo a minha mesa para a escultura, com as máquinas, como se fosse fazer uma
cirurgia. Então, eu sei direitinho cada etapa, eu não uso o instrumento errado,
eu uso exatamente para cada parte e eu vou trocando. Eu aprendi uma sistemática
de trabalho. E eu acho que isso foi muito prático. Isso me deu método de ação.
JM –
Em outro momento você disse que se interessa mais pela forma do que pelo
simbolismo. O que você quis dizer com isso?
PA – Não existe no humano nada de
informal que não seja simbólico. Toda a forma do ser humano tem um significado.
As pessoas vão perguntar “o que é isso?” e tu vai ter que achar uma resposta
para aquilo ali. Porque ele não vai sair dali satisfeito, mesmo que tu diga
qualquer coisa, ele diz “não, isso não é isso”. Ele vai ter que achar o
encontro entre a forma e o que ele acha. “Não, isso aqui representa o
crescimento de uma semente...”, aí o cara “ahhhhh, tá”. Então, a mente não
permite que tu tenha uma forma sem nome. O nome é fundamental. O nosso sistema
de pensamento sempre tem que ter um significado. A forma só tem valor quando
ela tem significado. Então, eu não dou bola para o significado. Eu faço a
forma. E eu encontro o significado, eu invento o significado. Que é o que se
faz com a arte moderna hoje. Eu prezo mais pela forma do que pelo simbolismo.
Por que a forma traz em si um aspecto de beleza e de estética. E o sentido não.
O sentido não tem estética. O sentido não tem forma. Eu poderia resumir assim:
a beleza da forma dá crédito ao sentido, inventei essa frase agora. Mas eu
acredito nisso aí mesmo.
Peixe Vermelho. Em mármore. Medalha de Ouro "Le Salon 98" - Salão dos Artistas Franceses - Paris Foto: Paulo Aguinsky/Divulgação |
JM –
Eu reparei que em algumas obras você deixa um pouco da pedra bruta...
PA – Aquilo ali é atávico, no
sentido da memória. Até o próprio título dessa exposição eu gosto muito “Nexo
da Forma”. A forma só tem nexo porque nós humanos damos esse nexo. Por que a
pedra em sí não escolheu forma, é tudo ocasional. O universo todo tem pedras,
meteoritos e formas diferentes. Então a forma quem dá o significado é o humano.
Então, aqueles fragmentos ali, que eu diria, sem nexo, que é a pedra bruta, eu
dou um sentido de natureza, eles eram assim. Até talvez uma vaidade para dizer
“tudo era bruto e eu transformei isso em algo novo”. Eu gosto de deixar aquilo
ali desde que não interfira no contexto. Dá um efeito técnico, de ter uma
superfície muito grande, muito lisa e deixar algo ali. Quebrar o olhar sem
perder a qualidade. E não é uma novidade isso aí. Outros escultores também fazem
isso.
JM –
Como é que foi este episódio em que lhe encomendaram uma peça para dar de
presente ao presidente da China?
PA – Isso foi quando o presidente
da China veio ao Brasil. Eu estava fazendo um projeto a nível nacional que se
chamava “Pedras do Brasil”. E esse projeto foi a pedido da presidente, quando
ela era ministra, pois já conhecia o meu trabalho. Eu ia a Europa e tinha
muitos blocos de pedra, porque o Brasil é um dos maiores produtores de granito
do mundo. São os melhores e mais bonitos. E aí, chega na Itália, eles apagam
“Brasil” e colocam “Itália”. Exportam pro Japão, China etc. Eles cortam em
lâminas e exportam pra lá. Em todos os aeroportos, você pode ver, tem granito e
a maioria é aqui do Brasil, grande parte, como se fosse da Itália. E eu
reclamei que isso era uma pena. Porque a pedra é uma identidade de um lugar
qualquer. Se tu morar numa vila, lá em Caçapava, você vai ter uma pedra, que é
a pedra da minha terra. Ela é única e não tem em lugar nenhum do mundo. Ela,
sozinha, é uma identidade e o mineral é também, o que dá uma dupla identidade.
Eu acho que a pedra é a identidade de um local. Nem de um país, de um
município, vamos dizer. E eu reclamei que lá estava sendo explorado as pedras
do Brasil, a identidade dos locais produtores, promovendo países que não tinham
nada a ver com a história. Aí eles pediram uma ideia e eu sugeri de fazer uma
exposição itinerante chamada “Pedras do Brasil”. E cada pedra, que vai no
catálogo, vai o nome do município. E todo mundo quer uma pedra de seu município
esculpida. Eu estava nesse evento, então, quando veio o presidente da China [Hu
Jintao] e ela [Dilma] pediu uma sugestão de presente para ele. “Vamos fazer
algo simbólico da China que seja de fácil leitura com uma pedra que tenha
grande significado”, eu disse. Então eu peguei aquele mármore verde que é de
Caçapava do Sul, uma pedra que tem 600 milhões de anos e fiz uma tartaruga que
é um símbolo muito forte na China. E eles gostaram muito porque é uma pedra
raríssima que só existe ali naquela região. Parece uma esmeralda e o nome se
deu “Tartaruga Marinha”, em função dos aspectos de conservação dos animais. Tem
esse significado político e social e a China estava entrando num programa
ecológico e a tartaruga lá é muito respeitada. Eu já havia feito uma tartaruga para
um chinês, há uns 5 anos antes, mas ele não comprou. Não comprou porque a
tartaruga olhava para o lado. Na China, a tartaruga é símbolo de algo perene e
de “olhar pra frente”. Então, quando eu fiz esta de presente, eu disse “não vou
errar agora”. E hoje está num museu da China.
Torso Negro. Em basalto. Foto: Paulo Aguinsky/Divulgação |
JM –
Você já chegou a contabilizar quantas esculturas de pedra você já fez?
PA – Não tenho um número. Mas são
muitas esculturas. Hoje eu faço relativamente rápido, porque eu tenho um
instrumental muito bom. Tu vê que eu não tenho mãos de pedreiro, eu faço tudo
requintadamente. E faço render muito. E eu nunca trabalho numa escultura
apenas, eu trabalho em três a quatro ao mesmo tempo. Porque enjoa. Aquelas
grandes eu levo quatro anos fazendo. E às vezes tu tá fazendo e tu cria outra.
Tu para tudo e vai pra lá. Aquilo é um momento, um flash. Essas aí [esculturas
monumentais] são feitas em maquete primeiro. Então são duas técnicas: uma que
eu faço o projeto, maquete, procuro a pedra e então começo a desbastar. E eu tenho
que seguir rigorosamente, tem que seguir uma forma. A outra técnica é o entalhe
direto: uma pedra bruta, que tu vai esculpindo e vendo no que vai dar. Essa
técnica exige muita concentração porque tu tem que seguir uma linha de
raciocínio que é inconsciente. Tu não sabe o que que vai dar. Eu diria que é
como dirigir na estrada. Você tá pensando em outra coisa e tu está guiando. Que
é o caso da maioria das pedras que estão expostas aqui hoje. Por exemplo,
aquele peixe medalha de ouro, tem uma asa vermelha. Toda a escultura foi a
partir da asa vermelha que eu achei ali. É muito vibrante isso porque na
confecção da obra tu vai te emocionando, tu vai te surpreendendo com cada
evento e acontecimento. Por mais que eu explique eu vou sempre inventar uma
história que não vai ter uma relação concreta, é algo inconsciente. Tu mesmo
vai te surpreender depois com o que tu fez. É uma análise a posteriori.
JM –
Quando você está fazendo entalhe direto, você costuma se concentrar numa obra
só?
PA – No entalhe direto você entra
em transe. É uma coisa muito ruim, porque a concentração excede tua visão
externa. Tu vê a tua mão trabalhando. Como se você estivesse ali atuando de
forma autônoma, sem interferência da razão. Se entrar a razão, você é capaz de
tirar um pedaço que não devia. Porque a razão é baseada em princípios lógicos. De cubo, de
cilindro, de reta, de linhas. E o inconsciente é como um sonho. O sonho nunca
tem pé nem cabeça, depois tu tem que interpretar. E o entalhe direto tu tem que
treinar isso. Mas tu não pode interferir no teu processo com a razão.
Nexo da Forma: no Universo da Pedra, de Paulo
Aguinsky
De
10 de janeiro a 28 de fevereiro, na Redemac Zona Nova Center (Avenida
Paraguassú, 1332 – Capão da Canoa). Entrada Franca
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