quarta-feira, 26 de junho de 2013

Protesto pacífico e apartidário em Capão da Canoa*

Cerca de 1,5 mil caponenses saíram às ruas para se manifestar contra a corrupção e por melhorias na saúde e educação

Texto, fotos e vídeo | Lorenço Oliveira

Para um município de 42 mil habitantes, segundo o Censo IBGE 2010, a estimativa da Brigada Militar, de que 1,5 mil pessoas saíram às ruas em protesto no domingo, 23, dá dimensão de um marco na história de Capão da Canoa. No período de veraneio, entre dezembro e março, a população chega a aumentar em dez vezes, mas nunca a cidade teve uma grande manifestação popular, a favor múltiplas causas.

Assim como nas demais cidades brasileiras, a convocação do protesto se deu através do Facebook. Em Capão da Canoa, a criação do evento precedeu da existência de um grupo ou bloco de militância. O evento intitulado “1º Ato contra a corrupção e apoio ao movimento em todo o Brasil! Litoral/RS” foi criado na segunda-feira, 17. No dia seguinte, com a confirmação de cerca de mil pessoas, 15 jovens decidiram fundar o grupo “Filhos da Pátria”, na maioria estudantes universitários, e que não se conheciam fora da internet.

No perfil da rede social, o grupo apoia o “movimento que está ocorrendo em todo o Brasil”. Entre as reivindicações, nenhuma novidade em relação a outros protestos: Fim da corrupção, contra PEC 33 e 37 e a favor de “melhorias na saúde, educação, segurança e todas as necessidades básicas do cidadão brasileiro”.

Os “Filhos da Pátria” tomaram a frente e organizaram o protesto com as autoridades, com direito a pedido formal à prefeitura e à Brigada Militar, com divulgação de trajeto. Além disso, eles se autodenominam apartidários, pacíficos, democráticos e não buscam fins lucrativos.

Antes do início da caminhada, previsto para as 14h, os manifestantes se reuniram na praça Flávio Boianovsky, em frente a Casa de Cultura Érico Veríssimo. No gramado da praça, crianças, jovens e adultos pintavam seus rostos com tinta verde e amarela. Alguns traziam cartazes de casa e outros escreviam suas causas na hora. Entre as reivindicações, uma frase escrita em pedaço de papelão clamava: “Quero vaga na escola para meu filho cadeirante”, pedia uma mãe que não conseguia matricular o filho com deficiência em turno normal de escola pública. “Elas [as escolas] dizem que só tem vaga à noite”. Outra jovem de cadeira de rodas trazia no cartaz uma frase cômica, mas não menos trágica: “Cadeirante não voa! Por mais rampas em Capão.”

Havia também quem protestava contra a PDC 234, o polêmico projeto conhecido como “cura gay”, aprovado recentemente na Comissão de Minorias e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. “Homossexualidade não é doença, homofobia sim” e “Não há cura para o que não é doença! Psicólogos não (re)orientam a homossexualidade. Fora INFeliciano”, diziam cartazes.

Um carro, com caixas de som no porta-malas, animava quem chegava ao ponto de encontro. A música que tocava era conhecida, ou quase. Especialmente para a ocasião, dois jovens gravaram uma releitura da música “Vem pra rua”, cantada pelo músico Falcão, vocalista da banda O Rappa. A canção original foi produzida para uma campanha temática para Copa das Confederações e virou “hit”. Com o estopim dos protestos em todo o país, a música acabou servindo de trilha sonora de vídeos amadores no YouTube.

A comunicadora de uma rádio AM local Luiza Castro pedia o impeachment da presidenta Dilma: “É um absurdo a nossa presidente querer trazer milhares de médicos de fora do país!”. O assunto, que é polêmico, não teve grande repercussão entre as pessoas presentes na passeata, mas as críticas ao governo apareciam de outras formas como: “A classe média também quer ProUni”, escrito na camiseta de Romário Del Melo, um dos membros do “Filhos da Pátria”. Empunhando um megafone, Del Melo ficou na linha de frente do manifesto, onde articulava palavras de ordem e guiava a multidão pelo trajeto combinado com a Brigada Militar.

No início da caminhada, por volta de 15h, o tenente coronel Ricardo recebeu uma flor branca de um dos personagens mais conhecidos na praia de Capão: o Senninha, caponense fanático pelo piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna. O oficial caminhou junto com as pessoas no front da manifestação, inclusive, zelando por alguns automóveis estacionados, encurtando os retrovisores. Segundo o tenente coronel, que organizou a operação, 50 policiais efetivos foram escalados para trabalhar durante o protesto, além do monitoramento aéreo realizado por um helicóptero da BM.

Uma ameaça surgiu a partir de uma postagem via Facebook. O boato era que os vândalos viriam de outras cidades, como Porto Alegre. Notava-se um medo real do comércio em relação a possíveis ações de vândalos durante a manifestação. A Associação Comercial e Industrial de Capão da Canoa (ACICC) sugeriu aos empresários que não abrissem seus estabelecimentos comerciais no domingo, principalmente, os localizados na avenida Paraguassú e na rua Sepé – vias do centro da cidade, previstas no trajeto da caminhada.

Um homem de jaqueta preta, que às vezes tomava a frente da passeata, arriscava gritos de ordem para os manifestantes. Em um desses momentos, ele criticou a polícia: “Hoje a Brigada está aqui, mas não nós sabemos que não é sempre assim”. Imediatamente, algumas pessoas que organizavam a manifestação interpelaram o homem, que se calou em seguida.

Ao fim do protesto, o resultado foi o esperado com nenhum registro de vandalismo. No mesmo dia, em outras 20 cidades gaúchas ocorreram protestos com as mesmas características: Todos pacíficos.



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*Artigo publicado originalmente no site do Editorial J, laboratório de jornalismo da Famecos, em 26 de junho de 2013.

A massa impermeável*

As ruas da capital gaúcha foram ocupadas durante o protesto que reuniu cerca de 20 mil manifestantes.

Texto
| Lorenço Oliveira
Foto | Caroline Ferraz

“Tem uns menino bom novo hoje aí na rua, pra lá e pra cá, que corre pelo certo… Mas já tem uns também que eu vou te falar, viu… só por Deus, viu! Ave Maria”.

As frases escritas no cartaz de um garoto, trepado na grade da praça Montevideo, não são de autoria dele. Elas iniciam a música “Subirusdoistiozin”, do rapper paulistano Criolo. Apesar da diferença de realidades, o verso tonifica bem o conflito dos discursos observados durante o protesto do dia 20 de junho, em Porto Alegre.

Por volta das 18h30min, surgiam os primeiros coros que sugeriam uma rota para a passeata: “Anda! Anda! Anda!” e “Quem não anda quer aumento!”. Este último grito de ordem era reeditada para diversas situações. Quando o hino rio-grandense surgiu, uma garota gritava sozinha: “Ei, reaça! Vaza dessa marcha!”.

Ao lado da prefeitura, no cruzamento com a rua Siqueira Campos, parte da multidão começava a caminhar em direção a avenida Júlio de Castilhos. Poucos metros à frente, um princípio de briga, a massa se dividia. “Volta! Volta! Eles são do PT”, urrava um sujeito baixinho entroncado, que tentava convencer o grupo a permanecer em volta da prefeitura.

No início da avenida Júlio de Castilhos, o grupo parecia não entender que era guiado por um partido. Enquanto uma dezena de pessoas desfilava por cima do arco da estação Mercado do Trensurb, 18 cavalarianos da Brigada Militar, parados embaixo deste mesmo monumento, observavam a massa que tomava de forma pacífica a avenida.

De repente, um pedido para que todos se abaixem. Uma militante que tentava liderar começa um “megafone humano”, em que ela gritava e todos repetiam. A ordem era clara: Liberar espaço para as faixas passarem. Bandeiras da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Estadual dos Estudantes (UEE) voaram por um corredor, aberto de forma messiânica pela líder estudantil.

Às 19h30min, a massa contornava a Igreja Universal do Reino de Deus. Os gritos de ordem lançavam criticas ao deputado Marco Feliciano. Uma pessoa na janela do prédio da Igreja filmava e abanava em apoio à manifestação.

Ao ver que o povo se preparava para subir o viaduto, um sujeito reclamava: “Estamos indo para o lado errado!”. Questionado sobre qual seria o destino correto, ele responde: “Nas outras cidades as pessoas vão para o Palácio ou Assembleia daquele Estado. Não faz sentido este caminho”. O rumo que se via traçado agora era o túnel da Conceição.

Em um determinado momento, pouco antes da entrada do túnel, panos brancos apareciam nas janelas dos prédios em volta. O refrão “quem apoia pisca a luz” convidava os moradores a participarem do protesto. Quando uma turma percebeu que em um dos prédios as luzes eram coloridas, os gritos ganharam mais contexto: “Vem pra rua e fica nua” e “Quem apoia mostra os peitos” eram direcionados às prostitutas que abanavam sem intimidação.

Dentro do túnel, a fumaça de sinalizadores preenchia o espaço, que mais se parecia com uma caixa amplificada de coros: “O povo acordou!”. A semelhança com uma torcida de futebol que saía de um estádio era grande. Um espetáculo que exigia estar na escuta de um radinho, como numa partida de futebol no estádio. Ninguém sabia direito o que se passava na linha de frente do manifesto. Ao alcançar a avenida Salgado Filho, a massa foi silenciada pela ordem: “É hospital, turista”.

Na esquina com a avenida Osvaldo Aranha, forma-se um cordão humano que manobrava a massa em direção à praça Argentina. De lá, a população chegava à avenida João Pessoa, onde outros destinos seriam novamente traçados. A chuva e o vento continuavam. Alguns se refugiavam nas paradas de ônibus e o que se via eram pequenas turmas de amigos curtindo o evento. Uma espécie de festa na chuva, com direito a rostos pintados e nariz de palhaço. Uma verdadeira massa impermeável.

Nos protestos anteriores, o caminho para a avenida João Pessoa significava um fim certo: “Temos que voltar! É emboscada”, gritava um homem de meia idade, desmascarado, que tentava explicar a conspiração: “Tem gente infiltrada levando o pessoal para [avenida] Ipiranga, onde está o [batalhão] choque”. O boato de policiais infiltrados no front não se confirmou, mas a batalha era certa.

De repente, nas imediações do Shopping João Pessoa, a passeata começa a parar aos poucos. A única referência da população é a luz projetada pelos helicópteros que voavam baixo. Um jovem com fones no ouvido, provavelmente ouvindo rádio, falava para um amigo: “Estão queimando o Itamaraty”.

*Artigo originalmente publicada no site do Editorial J, laboratório de jornalismo da Famecos, em 21 de junho de 2013.