quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Falência de empresa e licitações desertas atrasam ampliação de esgoto em Torres

Localizada no bairro Salinas, a estação de tratamento de esgoto de Torres despeja os efluentes com 99% de pureza no rio Mampituba. Foto: Assessoria de Comunicação Social/Corsan
Ação civil pública do Ministério Público pressionou retomada das obras de ampliação do tratamento de esgoto que deve acontecer nos próximos meses

Lorenço Oliveira

TORRES – Considerada uma das praias que melhor atende sua população em relação a saneamento básico no Rio Grande do Sul, Torres tem mais da metade das residências ligadas a uma rede de esgoto tratado. De acordo com a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), das 19.842 economias atendidas, 54,62% possuem tratamento. É a segunda maior cobertura do Litoral Norte, perdendo apenas para Capão da Canoa (57%).

A atual estação de tratamento de efluentes (ETE) “Mampituba” foi inicialmente pensada como solução para o embargo da construção civil, ocorrido na década de 1990. Naquela época, o Ministério Público Federal (MPF) interrompeu as obras em toda a cidade, em razão da falta de uma rede de esgoto tratado. O município voltou a crescer apenas quando a ETE Mampituba, localizada no bairro Salinas, entrou em atividade.

O sistema implantado em Torres funciona através de lagoas de estabilização, onde é feito o tratamento biológico da matéria orgânica. A estabilização dos resíduos ocorre por oxidação bacteriológica (oxidação aeróbica ou fermentação anaeróbica) e/ou por redução fotossintética das algas. Segundo a secretaria municipal do Meio Ambiente e Urbanismo, o efluente deságua no rio Mampituba com 99% de pureza.

Com o crescimento da cidade a estação precisou de um novo projeto para aumentar sua capacidade. Através de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1), uma cifra inicial de R$ 8,5 milhões foi prevista para a ampliação do sistema de esgotamento sanitário nos bairros Igra Norte e Sul. O investimento compreenderia a construção da rede coletora, de uma estação elevatória e de um emissário, além da ampliação da ETE. A informação é do site do PAC, com data referência em 30 de abril de 2014, que informava que o estágio atual do projeto era “em obras”.

O montante de investimento para a obra, no entanto, foi maior do que o previsto no site oficial: R$ 10,5 milhões, segundo a Corsan. De acordo com o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de Torres, a obra também compreenderia a instalação de aeradores para minimização de odores gerados e maior vazão de tratamento com a redução do tempo de detenção hidráulica – visto que a decomposição da matéria orgânica ocorre mais rapidamente com a inserção de oxigênio no sistema. Ainda de acordo com o plano, a obra ampliaria o percentual de coleta para 75% da cidade.

A empresa licitada, que tinha previsão de conclusão dos trabalhos em 2010, no entanto, faliu. “Na hora de fazerem a estação de bombeamento, que é uma estação de profundidade, a empresa rompeu o contrato. E aí, se abriu uma briga jurídica. Cancelar contrato, ver as penalidades, etc”, explica o Chefe de Operação e Manutenção Regional da Corsan no Litoral Norte, Rodrigo Lupin.

A falência da empresa interrompeu definitivamente as obras, o que indignou a população de Torres, principalmente os moradores dos bairros Igra Norte e Sul, que tiveram parte de suas ruas escavadas durante meses para instalação de tubulação. Por falta de conhecimento, ou talvez por retaliação, vários moradores fizeram conexões à rede, ainda inacabada, sem autorização da Corsan. E o pior aconteceu: a inexistência de uma bomba de recalque causou o transbordamento do esgoto em via pública.

A Corsan identificou os locais em que houve as ligações e executou emergencialmente uma canalização de extravasamento, direcionando o excedente de efluentes para um sistema operante da cidade. Contudo, os moradores denunciaram a situação ao Ministério Público, que abriu uma ação civil pública contra o município e a Corsan.

Para o 2º Promotor de Justiça de Torres, Márcio Roberto da Silva Carvalho, neste caso, não bastava um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), aplicado com frequência nestas situações. “Os órgãos deveriam ter condições de avaliar se a empresa está apta a executar a obra, no entanto, são ineficientes por causa da burocracia”, critica o promotor. A ação do MP pede a retomada imediata das obras.

O reinício das obras foi orçado em torno de R$ 2,4 milhões. No entanto, a companhia enfrentou duas licitações desertas. Para o Superintendente Regional da Corsan no Litoral Norte (Surlit), Osvaldo Paiva, o modelo de licitação realizado no Brasil dá margem para que as empresas interrompam os projetos ou desertem de novos processos de licitação. “Sobrou apenas carne de pescoço!”, ilustra Paiva. “Imagine: 2,4 milhões [valor do contrato para conclusão], uma profundidade de 8 metros [do solo], o lençol freático a milhão... Como é que tu vai fazer uma obra? Não vai ter lucro! Aí a empresa diz: ‘vou romper o contrato’.Aí não tem multa, porque na verdade vai ter uma questão jurídica, que vai desenrolar em dois ou três anos”, disse o Superintendente.

A solução encontrada pela Corsan, a partir de 2012, foi realizar licitações através do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), método utilizado com freqüência pelo Governo Federal em obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas. “O RDC já prevê no contrato a multa e a readequação”[em caso de falência da empresa], demonstra Paiva. Entre outras diferenças, o regime também prevê um cronograma de 720 dias (cerca de dois anos) para a conclusão do projeto, com multas em caso de descumprimento.

Com o modelo RDC, na terceira tentativa, a companhia conseguiu licitar novamente e contratar uma nova empresa. Segundo o Superintendente, já foi dada ordem de início para a retomada da obra, que está em fase de mobilização do canteiro. A Corsan prevê que a empresa conclua os trabalhos em um ano.

Na edição de amanhã, a situação dos municípios de Capão da Canoa e Xangri-lá.
*Reportagem publicada originalmente em jornal Momento, em 10 de dezembro de 2014

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