terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Litoral Esgotado

Detalhe de local de deságue de efluentes do esgoto cloacal na lagoa do Marcelino, em Osório.Foto: Lorenço Oliveira/Momento

Recursos do PAC garantem investimentos em saneamento básico, mas burocracia em licitações e licenças ambientais atrasam contratações;  empresas desistem de projetos

Lorenço Oliveira

LN – Um tema pouco debatido pelos candidatos aos governos federal e estadual foi o saneamento básico no país, pois como se diz no jargão popular: “cano enterrado não dá voto”. Os custos das obras de infraestrutura no setor são altos e o retorno em arrecadação leva anos. Apesar de especialistas no assunto estimarem que a cada um real investido em saneamento básico se economiza quatro em saúde pública, o assunto parece não interessar à agenda dos políticos e pouco se vê de propostas para a universalização da água e do esgoto.

O estudo “De olho no PAC”, publicado pelo Instituto Trata Brasil em maio deste ano, fez uma radiografia da situação das obras de água e esgoto nas maiores cidades do país que tiveram investimentos pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). De 177 obras do PAC 1 com contratos assinados entre 2007 e 2008, 59% não cumpriram o cronograma inicial. Já os contratos de 2011, referentes ao PAC 2, 50% nem tinham começado. Apesar dos investimentos, o Brasil ocupava em 2011 a 112ª colocação no ranking global de saneamento com 200 países, segundo estudo do Instituto Trata Brasil e do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável.

No Litoral Norte do Rio Grande do Sul a questão se repete. Apesar de recursos da União através PAC garantirem milhões para obras de saneamento, a burocracia de licitações atrasa as contrações de empresas, que nem sempre concluem os projetos. Os órgãos responsáveis pela legislação ambiental também não contribuem para a celeridade dos processos.

Na esteira deste tema, o jornal Momento publica a partir de quarta-feira (10) a série de reportagens Litoral Esgotado, mostrando a situação atual do esgotamento sanitário dos principais municípios do Litoral Norte. Como se comportam as estações de tratamento de efluentes (ETE), qual a abrangência da coleta nas cidades e o que os órgãos públicos estão fazendo para melhorar a nossa região.

LN: R$ 195 milhões em esgoto

Principal local de deságüe dos efluentes na lagoa do Marcelino, em Osório.
Foto Lorenço Oliveira/Momento

A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) é a empresa pública responsável pela maior parte dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Rio Grande do Sul. No Litoral Norte, a companhia trabalha com esgotamento sanitário em 13 municípios, mas em apenas sete deles há ligação à rede coletora (Atlântida Sul, Capão da Canoa, Cidreira, Imbé, Torres, Tramandaí e Xangri-Lá). O restante opera pelo sistema de fossa e sumidor (Arroio do Sal, Balneário Pinhal, Osório, Palmares do Sul, Santo Antônio da Patrulha e Terra de Areia). No total são 201.951 economias, sendo que 22,42% estão ligadas a uma rede coletora de esgoto.

Outros municípios da região, como Caraá, Dom Pedro de Alcântara, Itati, Mampituba, Maquiné, Morrinhos do Sul, Três Cachoeiras e Três Forquilhas não possuem contratos de abastecimento de água ou esgotamento sanitário com a Corsan. Mostardas, Tavares e Capivari do Sul são atendidos pela companhia apenas com abastecimento de água.

A Corsan diz ser uma das companhias que mais captou recursos do PAC para saneamento básico, com um montante de R$ 4 bilhões até 2014. A partir de 2011, o Governo do Estado e a companhia montaram uma força-tarefa para cadastrar municípios com menos de 50 mil habitantes. Este esforço converteu para o Litoral Norte cerca de R$ 332 milhões em obras de saneamento, sendo R$ 195 milhões para esgotamento sanitário.

As diretrizes nacionais sobre políticas de saneamento são ditadas pela Lei Federal 11.445, de 5 de janeiro de 2007, regulada em 2010. A partir dela, ficou definido que o planejamento no setor é função do município, que pode o próprio ente público prestar os serviços, ou designar a uma concessionária pública ou privada. A norma surgiu 23 dias antes do lançamento oficial do PAC, que englobou investimentos federais em várias áreas, incluindo saneamento básico.

Os indicadores oficiais sobre os serviços de água e esgoto no Brasil são consolidados pelo Ministério das Cidades, através do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Um dos pontos mais críticos é o esgotamento sanitário: menos da metade da população (48,3%) têm acesso à coleta de esgoto, sendo que apenas 38,7% são tratados.

A Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) traz outros detalhes sobre esgoto nas residências de todo o país. Os indicadores conjunturais, referentes ao ano de 2012, apontam que 57,2% dos domicílios brasileiros estão ligados a uma rede coletora de esgoto; 6,1% possuem fossa asséptica ligada a rede; 14,5% têm fossa, mas sem ligação a rede; 16,6% aplicam fossa rudimentar; e, 5,7% utilizam outro sistema ou não têm.

Ainda de acordo com a PNAD, 42,3% dos domicílios da região Sul estão ligadas a uma rede coletora de esgoto, o que representa 4,12 milhões de residências. A região com o maior percentual é o Sudeste, com 84,2%. A pior situação se encontra no Norte, onde apenas 13,1% possuem rede esgoto.

Mais de um bilhão de pessoas não possuem banheiro no mundo


Madeira velha sustenta o que seria o vaso sanitário na vila Ocupação Hospital, em Porto Alegre. Foto: Guilherme Testa/Editorial J
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saneamento básico como “o conjunto de medidas adotadas em um local para melhorar a vida e a saúde dos habitantes”. Neste sentido, incluem-se o abastecimento de água tratada; coleta e tratamento de esgoto; limpeza urbana; manejo de resíduos sólidos; e, drenagem das águas pluviais. Os responsáveis por essas medidas são os três níveis de governo: municipal, estadual e federal.

Dados da Unesco de 2014 dão conta de que 768 milhões de pessoas no mundo continuam sem acesso à água potável. Segundo a OMS, cerca de 36% da população mundial (2,5 bilhões de pessoas) vivem sem saneamento adequado e mais de um bilhão não tem acesso a banheiro. O Brasil é um dos países com piores índices neste quesito: 7,2 milhões de brasileiros não possuem acesso ao vaso sanitário.

Ainda de acordo com órgãos internacionais, 3,5 milhões de mortes no mundo são decorrentes de problemas relacionados ao fornecimento inadequado de água todos os anos. A diarréia faz mais vítimas do que a AIDS, a malária e o sarampo juntos, em um número que atingi 2.195 óbitos ao dia. É a segunda causa de morte entre crianças de um mês a cinco anos de idade.  


Confira o calendário de matérias da série Litoral Esgotado
Quarta: Torres
Quinta: Capão da Canoa e Xangri-lá
Sexta: Tramandaí e Imbé
Sábado: Osório e Santo Antônio da Patrulha
Terça: Outros municípios

*Reportagem publicada originalmente no jornal Momento, em 6 de dezembro de 2014.


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