quarta-feira, 16 de maio de 2012

China: O que restou da Revolução*

Os 60 anos da China sob o Partido Comunista


Texto | Lorenço Oliveira

Prognosticar sobre a China tem sido um constante desafio de economistas do mundo inteiro. Um desafio que exige cautela e muito conhecimento histórico. Aparentemente, a China faz uma idéia de típico Estado comunista do pós-guerra do leste europeu que se estruturaram com o final da Segunda Guerra Mundial. Com isso, alguns historiadores costumam afirmar que a China é sempre um caso a parte, que complica a cabeça do ser ocidental. Um país sob regime comunista, mas constituído de uma sociedade de mercado. Uma história complexa, lotada de corrupções, confrontos, violência e injustiça pelos privilégios do poder. A soma desses fatores resulta na Revolução Chinesa de 1949.

Considerada como a mais longa guerra civil do século XX, a Revolução Chinesa que completa seu 60º aniversário no dia primeiro de outubro, é um marco na história chinesa e mundial. Infelizmente, “pouco estudada pelos brasileiros”, reclama o pesquisador e historiador gaúcho, Voltaire Schilling, autor da obra, A Revolução na China: colonialismo, maoísmo, revisionismo, publicado em 1984, pela editora Mercado Aberto:

– Na época em que escrevi esse livro estávamos em regime militar. O acesso era escasso. – argumenta Schilling, que na época encontrou mais fontes na língua espanhola do que na portuguesa. – Em Montevidéu tive a sorte de encontrar um material com toda a obra do Mao em três volumes. Uma compra baratíssima.

Em seu livro ele explica que no começo da Revolução, a China encontrava-se com uma frente organizada por Chiang Kai-shek, fundador e líder do Partido Nacionalista. Logo após Revolução Russa, Chen Tu-hsiu funda o Partido Comunista Chinês em 1921, na cidade de Xangai. Nessa fundação, dentre os 57 membros do Partido Comunista, estava um obscuro filho de camponeses, Mao Tse-tung, que viria a se tornar o grande líder da Revolução Camponesa:

– Mao era uma figura que simbolizava todo um pensamento otimista, particularmente de solução aos países colonizados ou semi-colonizados que formavam a maioria dos países que anteriormente denominavam-se de “terceiro mundo”.

A fama de Mao Tse-tung dentro do Partido Comunista Chinês cresceu muito a partir do que o líder fazia para movimentar massas. O que considerava um instrumento relativamente forte para ação revolucionária:

– Desde que Mao começa a militar, percebe o peso que o campesinato chinês representa na sociedade. – explica o Dr. Flávio Madureira Heinz, professor da disciplina de História da Ásia Contemporânea da PUCRS.

Em 1927 é desencadeada a guerra civil pelos nacionalistas com o apoio armamentista soviético. O Partido Comunista Chinês é extremamente massacrado nesse ano resultado de sua visível inferioridade militar:

– Quando o Japão invadiu o sul da China em 1937, existiu uma possibilidade de aliança entre os dois partidos. No entanto, nenhum dos dois queria. “Persistiram em guerras paralelas”. – o professor Flávio notifica que as tendências eram de os confrontos ficarem ainda piores, visto que o combate contra o Japão simboliza até hoje um dos grandes fatos da história contemporânea asiática. – Eles não queriam saber de paz, principalmente no lado do Chiang Kai-shek (nacionalista). Não aceitava de jeito nenhum uma aliança, e queria realmente destituir com o Partido Comunista Chinês.

No entanto, com o massacre de 1927, o Partido Comunista Chinês resolve rever suas ações políticas. Mao Tse-tung começa a liderar a frente comunista, quando publica seus relatórios sobre a vida camponesa:

“Dentro de pouco tempo, centenas de milhões de camponeses das províncias do centro, do sul e do norte da China se levantarão como uma tempestade, um furacão, como uma força tão impetuosa e violenta que nada, por poderoso que seja, os poderá deter” (Obras escogidas, v. I, p. 19-20).

Mao treina um exército que possuía oficiais sem insígnias, que igualmente não gozavam de nenhum privilégio. Esse exército era o famoso Exército Vermelho:

– A estratégia do Mao, era de guerrilha, baseada em quatro proposições: se o inimigo ataca, eu retrocedo; se o inimigo recua, eu o persigo; se o inimigo se detém, eu o hostilizo; se o inimigo reagrupa, eu me disperso. – Voltaire enfatiza que isso não era novo na história das revoluções. – Claro, lá no século XVII com o puritano Cronwell, chefe dos roundheads durante a guerra civil entre o Parlamento inglês e o soberano I, também era assim.

A luta começa a ter um sentido mais amplo e político quando Mao, juntamente com seu chefe militar Chu Teh, dá início à “Longa Marcha”. “Um episódio que se tornou um épico do movimento comunista camponês, simbolizando o grande início da ideologia maoísta” esclarece Voltaire Schilling. O Exército Vermelho partia de Kiangsi com 90 mil homens, dos quais sete mil chegaram ao destino, que era Yenan, capital de Shensi. Um percurso de nove mil quilômetros que durou quase dois anos (1934-36).

A guerra sino-japonesa (1937-1945) desencadeia em uma ofensiva de ataques relâmpagos, visto que a China sofria de uma desorganização inviável em plena Segunda Guerra Mundial, facilitando com que o Japão entrasse para dividi-la.

A China encontrava-se dividida em três: os japoneses em Nanquim; os nacionalistas na Província de Szechwan; e, os comunistas em Yenam. Com as explosões atômicas nas cidades japonesas Hiroxima e Nagasaki, a guerra estava definitivamente acabada, e o Japão precisava “voltar para casa”. Com isso ocorre um período de aproximadamente de sete meses de trégua entre nacionalistas e comunistas. A guerra é reiniciada. O Exército Vermelho se consagra com as vitórias em 1948, nas cidades de Lo-yang, Honan e Tsinan. Em 24 de abril de 1949, nada mais poderia ser feito contra o Partido Comunista, os nacionalistas tinham sido derrotados, por uma avalanche vitória estratégica de Mao. Em 1º de outrubro, é proclamada a República Popular da China. Chiang Kai-shek e remanescentes de seu partido refugiam-se na ilha de Taiwan (Formosa) com apoio dos EUA, formando a China Nacionalista.


O insucesso econômico da Revolução Cultural

Entre 1965 e 1969, Mao Tse-tung organizava sua milícia em objetivos claros para uma radical mudança na sociedade chinesa. A chamada Grande Revolução Cultural estaria mais otimista e disposta do que uma desestalinização, como foi a política das “Cem Flores”, no qual Mao anuncia em seu livro Sobre a linha correta e as contradições entre o Povo, de 1956:

“A política de fazer brotar cem flores e fazer cem escolas de pensamentos discutirem visa a promoção do florescimento das artes e o progresso da ciência: destina-se a permitir a cultura socialista a florescer em nossa terra.”

Em maio de 1966, a política dos “16 pontos” estipulada por Mao, foi forçada “goela abaixo” ao Partido Comunista Chinês. Era o manifesto que deveria ser rigorosamente seguido para o sucesso da Revolução Cultural. “A força do campesinato era a principal ferramenta revolucionária do maoísmo”, explica Voltaire Schilling: “Entre os principais argumentos, quatro campos seriam reformados na tese de Mao: o ensino, a política, a arte e a filosofia. Cada uma desempenhava um papel fundamental de desigualdade social. Para isso era preciso uma mobilização eficaz das massas”.

O fervor revolucionário nasceu verdadeiramente com a entrada do guerrilheiro Lin Piao que derrubou o prefeito de Pequim, Peng Cheng. O prefeito era um dos homens que apoiavam o professor Wu, que havia sido extremamente criticado por sua peça que utilizava da arte para dividir o Partido e o Estado. Com retomada de poder, até então, sob as mãos de Liu Shao-chi, Mao Tse-tung depura contra os altos dirigentes e começa a controlar a informação e a propaganda chinesa. Resultado: uma influente e crescente perseguição aos burgueses, principalmente pelo grupo ultra-esquerdista, “Guarda Vermelha”.

“Essa onda revolucionária influenciou jovens na França a causarem as manifestações contra o governo de Gaulle, em maio de 1966”. Afirma o professor Schilling. “Até o filósofo francês Jean-Paul Sartre começava a se dizer maoísta.”

“O Livro Vermelho do Pensamento do Presidente Mao Tse-tung” era uma coletânea de citações das Obras Escolhidas de Mao reunidas por Lin Piao, que serviam de base para os grupos extrema-esquerda que queriam praticar a revolução e a mania de perseguição aos capitalistas. Sem contar que nessa época o famoso Exército Vermelho havia sido chamado para intervir contra estes grupos de ultra-esquerda e com remanescentes do grupo de Liu Shao-chi:

– No entanto, o que se via na China de resultado material naquilo tudo? – Voltaire Schilling indaga – era uma experiência apaixonante por um lado, mas destrutível por outro.

O apogeu maoísta só iria acabar com a morte de Mao, porém quando este juntou a Chou En-lai, do controle administrativo, ocorre uma retirada de Lin Piao de cena, e isso acarreta na formação de uma “Tríplice Aliança”. Ela juntava os maoístas, com a ultra-esquerda, que andava mais moderada, com os representantes do Exército Vermelho.

Para refletir sobre a paralisia econômica sofrida em decorrência da Revolução Cultural, o professor Flávio Heinz, da PUCRS, acredita que o insucesso econômico da China nessa época não se dá somente pelo fato de um arcaísmo rural que Mao instaurou:

– É claro, que com o maoísmo a China mudou muito, como, aliás, a história mostra que a China sempre foi assim, mas creio que poderia ser um núcleo de poder de outra tradição política, outro regime.

Flávio Heinz adiciona ainda, que prognosticar sobre a China é inviável. “Frusta-se aquele que tenta apostar alguma coisa sobre a China. Apesar de ser uma sociedade de mercado com regime comunista, pouco há de comunista na China hoje”.

A abertura econômica da China deu-se a partir do momento que Mao morreu. A Revolução Cultural tinha chegado ao seu estágio final, abandonou-se a primazia do coletivo e procurou-se dar ênfase à produtividade. Flávio Heinz replica: “A China está muito mais capitalista do que comunista hoje, somente o núcleo de poder está tomado pela ideologia comunista.”


Changchun: A Detroit chinesa

Situada ao nordeste da China, a capital da província de Jilin, Changchun pode ser considerada hoje a “Detroit chinesa”. A comparação é proporcionalmente explicável, já que as duas cidades são fundamentalmente de indústrias automobilísticas. Enquanto, a capital de Michigan possui pouco menos de um milhão de habitantes, Changchun possui uma população de aproximadamente 3,5 milhões.

“As médias salariais são levemente abaixo do resto do país. Em compensação, o custo de vida é muito mais baixo do que Xangai, Pequim ou outras cidades maiores”, explica Alexandre Trespach, professor de inglês e português em Changchun desde 2008. “As escolas são construídas pelo governo, os professores são todos contratados e os alunos pagam as tuition fees”. Alexandre comenta que essas cobranças só favorecem a sociedade: “A tuition fees são mensalidades que os alunos pagam para ter o ensino. É como se todas as escolas fossem particulares”.

Alexandre recentemente foi promovido a diretor de ensino onde trabalha. Ele relata que isso se deu, não só pela qualidade do trabalho, mas pelo fato de ele se relacionar bem com seus colegas e superiores. “Coordeno duas escolas, 12 professores ocidentais e 14 professoras chinesas, porque não me atraso para o trabalho. Faço o que me mandam e não encolho para fazer o que sou solicitado.”

Essa aparente regularidade no ensino e nas liberdades do povo é explicada pelos métodos de controle de um governo centralizado. “Aqui a polícia controla de verdade, e é respeitada. Como estrangeiros, precisamos reportar nosso endereço, onde trabalhamos”. – Alexandre mesmo assim considera que essa situação não é desconfortável, ao passo que a violência urbana é quase inexistente. – “Aqui o catador de lixo lê jornal e as pessoas lêem livros em toda parte”.

Como um país tipicamente em desenvolvimento, a China chega ao limite de sua definição de “terceiro-mundista”. Não lhe cai mais tão bem a definição, já que as resoluções econômicas divulgadas pela imprensa internacional sustentam um crescimento acelerado nos últimos anos. “Podemos mandar dinheiro para o exterior, comprar de tudo, imóveis e até carros. Só que claro, não há crédito. É tudo no cash”. Essa liberdade de compra que Alexandre relata, traduz uma parte do sucesso que a China faz na atual economia mundial. A fome que existe na China, é por trabalho:

– Há um classicismo social que veio com o capitalismo, um social “gap”, mas isso não trouxe os excluídos que estão nos sinais, nos estacionamentos e nas ruas pedindo dinheiro a todos que passam. – Alexandre ilustra a realidade chinesa sob a irregularidade que hoje acontece no Brasil. – O que se vê aqui é vontade de trabalhar. A semana vai de segunda a domingo. As escolas de segunda a sábado.

Se não bastasse essa carga horária intensiva, não há como dizer que isso não é efeito da Revolução Chinesa, e de um espírito de militância e politicagem que cresceu na China com o passar do um governo centralizado. “Os chineses tem um nível de educação fora do comum, não há quase analfabetos”. Alexandre diz que o capitalismo trouxe um sentimento, até então, diferente: uma consciência de competitividade. “É meio estranho conceituar intelectualidade, mas eles lêem muito”.


*Texto produzido para disciplina de Jornalismo Internacional, ministrada pelo professor Juan Domingues (PUCRS), em 2009/1;

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