quarta-feira, 26 de junho de 2013

A massa impermeável*

As ruas da capital gaúcha foram ocupadas durante o protesto que reuniu cerca de 20 mil manifestantes.

Texto
| Lorenço Oliveira
Foto | Caroline Ferraz

“Tem uns menino bom novo hoje aí na rua, pra lá e pra cá, que corre pelo certo… Mas já tem uns também que eu vou te falar, viu… só por Deus, viu! Ave Maria”.

As frases escritas no cartaz de um garoto, trepado na grade da praça Montevideo, não são de autoria dele. Elas iniciam a música “Subirusdoistiozin”, do rapper paulistano Criolo. Apesar da diferença de realidades, o verso tonifica bem o conflito dos discursos observados durante o protesto do dia 20 de junho, em Porto Alegre.

Por volta das 18h30min, surgiam os primeiros coros que sugeriam uma rota para a passeata: “Anda! Anda! Anda!” e “Quem não anda quer aumento!”. Este último grito de ordem era reeditada para diversas situações. Quando o hino rio-grandense surgiu, uma garota gritava sozinha: “Ei, reaça! Vaza dessa marcha!”.

Ao lado da prefeitura, no cruzamento com a rua Siqueira Campos, parte da multidão começava a caminhar em direção a avenida Júlio de Castilhos. Poucos metros à frente, um princípio de briga, a massa se dividia. “Volta! Volta! Eles são do PT”, urrava um sujeito baixinho entroncado, que tentava convencer o grupo a permanecer em volta da prefeitura.

No início da avenida Júlio de Castilhos, o grupo parecia não entender que era guiado por um partido. Enquanto uma dezena de pessoas desfilava por cima do arco da estação Mercado do Trensurb, 18 cavalarianos da Brigada Militar, parados embaixo deste mesmo monumento, observavam a massa que tomava de forma pacífica a avenida.

De repente, um pedido para que todos se abaixem. Uma militante que tentava liderar começa um “megafone humano”, em que ela gritava e todos repetiam. A ordem era clara: Liberar espaço para as faixas passarem. Bandeiras da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Estadual dos Estudantes (UEE) voaram por um corredor, aberto de forma messiânica pela líder estudantil.

Às 19h30min, a massa contornava a Igreja Universal do Reino de Deus. Os gritos de ordem lançavam criticas ao deputado Marco Feliciano. Uma pessoa na janela do prédio da Igreja filmava e abanava em apoio à manifestação.

Ao ver que o povo se preparava para subir o viaduto, um sujeito reclamava: “Estamos indo para o lado errado!”. Questionado sobre qual seria o destino correto, ele responde: “Nas outras cidades as pessoas vão para o Palácio ou Assembleia daquele Estado. Não faz sentido este caminho”. O rumo que se via traçado agora era o túnel da Conceição.

Em um determinado momento, pouco antes da entrada do túnel, panos brancos apareciam nas janelas dos prédios em volta. O refrão “quem apoia pisca a luz” convidava os moradores a participarem do protesto. Quando uma turma percebeu que em um dos prédios as luzes eram coloridas, os gritos ganharam mais contexto: “Vem pra rua e fica nua” e “Quem apoia mostra os peitos” eram direcionados às prostitutas que abanavam sem intimidação.

Dentro do túnel, a fumaça de sinalizadores preenchia o espaço, que mais se parecia com uma caixa amplificada de coros: “O povo acordou!”. A semelhança com uma torcida de futebol que saía de um estádio era grande. Um espetáculo que exigia estar na escuta de um radinho, como numa partida de futebol no estádio. Ninguém sabia direito o que se passava na linha de frente do manifesto. Ao alcançar a avenida Salgado Filho, a massa foi silenciada pela ordem: “É hospital, turista”.

Na esquina com a avenida Osvaldo Aranha, forma-se um cordão humano que manobrava a massa em direção à praça Argentina. De lá, a população chegava à avenida João Pessoa, onde outros destinos seriam novamente traçados. A chuva e o vento continuavam. Alguns se refugiavam nas paradas de ônibus e o que se via eram pequenas turmas de amigos curtindo o evento. Uma espécie de festa na chuva, com direito a rostos pintados e nariz de palhaço. Uma verdadeira massa impermeável.

Nos protestos anteriores, o caminho para a avenida João Pessoa significava um fim certo: “Temos que voltar! É emboscada”, gritava um homem de meia idade, desmascarado, que tentava explicar a conspiração: “Tem gente infiltrada levando o pessoal para [avenida] Ipiranga, onde está o [batalhão] choque”. O boato de policiais infiltrados no front não se confirmou, mas a batalha era certa.

De repente, nas imediações do Shopping João Pessoa, a passeata começa a parar aos poucos. A única referência da população é a luz projetada pelos helicópteros que voavam baixo. Um jovem com fones no ouvido, provavelmente ouvindo rádio, falava para um amigo: “Estão queimando o Itamaraty”.

*Artigo originalmente publicada no site do Editorial J, laboratório de jornalismo da Famecos, em 21 de junho de 2013.

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