sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Acessibilidade Digital*



Imprudência digital

O desafio de desenvolvedores em produzir sites com acessibilidade para pessoas com necessidades especiais

Lorenço Oliveira

A internet tem proporcionado avanços surpreendentes para vida do homem moderno. Esta sentença parece ser bastante óbvia e não costuma causar estranhamento a qualquer um que já tenha visto, no mínimo uma vez, uma página de web na tela de um computador. Para grande maioria das pessoas, entrar em sites de notícias, comunicar-se por redes sociais ou a conferir a caixa de e-mails, tornaram-se atividades tão cotidianas quanto escovar os dentes. A realidade, no entanto, não é exatamente esta para quem porta algum tipo de necessidade especial. Atualmente as pessoas deficientes visuais, por exemplo, estão utilizando cada vez mais o computador. Isso se dá através de softwares leitores de tela, capazes de identificar códigos de sites e transmitir as informações através de um sintetizador de voz. Apesar dos avanços significativos na área de acessibilidade, estes programas ainda esbarram na imprudência de um ator fundamental nesta história: o desenvolvedor.

Existem duas leis que regulamentam acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida no Brasil. Ambas são do ano 2000: a Lei n.° 10.048, que dá prioridade de atendimento às pessoas específicas; e a Lei n.° 10.098, que estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção de acessibilidade. No entanto, nenhuma delas prevê regulamentação de acessibilidade à informação, mais precisamente, na internet. Até que em 2 de dezembro de 2004, o Decreto n.° 5.296
passa a exigir:

Art. 47 - No prazo de até doze meses a contar da data de publicação deste Decreto, será obrigatória a acessibilidade nos portais e sítios eletrônicos da administração pública na rede mundial de computadores (internet), para o uso das pessoas portadoras de deficiência visual, garantindo-lhes o pleno acesso às informações disponíveis”.

Quem dita os padrões de acessibilidade na internet é a W3C (The World Wide Web Consortium), liderado pelo criador da Web Tim Berners-Lee e o CEO Jeffrey Jaffe. Consiste num consórcio internacional no qual organizações filiadas, uma equipe em tempo integral e o público trabalham juntos para desenvolver padrões para a Web.

Um estudo
recente do Comitê Gestor da Internet no Brasil analisou a aderência dos padrões em páginas HTML, através de um validador automático da W3C. “Dos 6,3 milhões de páginas HTML coletadas, cerca de 91% apresentaram mais de uma incorreção de aderência, apenas 5% estão completamente de acordo com o padrão, e 4% não puderam ser avaliadas”.

A Coordenadora do Departamento de Computação Aplicada da PUCRS e professora Márcia de Borba Campos tem uma hipótese para este número elevado de sites com problemas de acessibilidade. Campos considera os validadores de padrões uma ferramenta indispensável para os programadores, mas ainda assiste, em sala de aula, uma irresponsabilidade dos jovens quanto a estes critérios. “Eu canso de ouvir os meus alunos de programação reclamarem: ‘mas por que precisamos colocar idioma no site?’ Eles não entendem! E para falar a verdade, a grande maioria não entende.”

A professora explica que a ideia de colocar a opção de idiomas não é apenas de possibilitar a leitura para pessoas de diferentes países. A opção permite, por exemplo, que um leitor de tela para cegos identifique aquele idioma e selecione corretamente uma voz sintética daquela língua.

A psicóloga Lêda Lucia Spelta é uma das primeiras pessoas cegas a trabalhar com informática no Rio de Janeiro, em 1974. Foi programadora, analista de sistemas e de suporte, alem de coordenar equipes em empresas públicas e privadas. Desde 2001, tornou-se especialista em acessibilidade na web, trabalhando com consultorias, escrevendo artigos e palestrando para empresários e webdesigners. Em artigo publicado em seu site
, Spelta revela a existência de uma série de mitos sobre acessibilidade na web. Entre os itens listados pela psicóloga está o de que “fazer um site acessível demora e custa caro”.

Para o desenvolvedor e analista em Qualidade de Softwares do Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social), Nelson Azambuja Jr., falta consciência global sobre a importância da acessibilidade na web.  “O que acaba acontecendo é que as empresas e desenvolvedores em geral, optam por querer ‘economizar’ em recursos e conhecimento, favorecendo as questões que consideram mais importantes no desenvolvimento”.  Azambuja acredita que a não conformidade dos requisitos de acessibilidade está na implementação dos padrões por parte dos profissionais. “É necessário que eles [desenvolvedores e webdesigners] conheçam os padrões e adaptem a construção dos sites”.

Sendo uma empresa governamental, o Dataprev atende as recomendações do Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico, o  e-MAG 3.0. Azambuja ressalta que estas adaptações previstas pelo modelo vão desde a elaboração do conceito de navegação e design, até a programação propriamente dita. “O uso de JavaScript, por exemplo, deve ser feito com extrema cautela, para que não seja incompatível com os leitores de tela para deficientes visuais”. Entre outros desafios, o analista do Dataprev questiona que os próprios softwares de leitura de tela não seguem um padrão universal, problema semelhante ao que ainda acontece em relação aos diversos navegadores existentes. “Um site pode funcionar bem com uma versão e simplesmente não funcionar com outra”. 


*Reportagens produzidas na disciplina de Projeto Experimental Online (2012/2), ministrada pelas professoras Andreia Mallmann e Karen Sica.

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